05-junho-2019
Proposição
3
“Por isso, um pastor não pode
sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que
vivem
em situações ‘irregulares’,
como se fossem pedras que se atiram contra a vida das pessoas. É o caso dos
corações fechados, que muitas vezes se escondem até por
detrás dos ensinamentos da Igreja ‘para se sentar na cátedra de Moisés
e
julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as
famílias feridas’. Na mesma linha se pronunciou a Comissão
Teológica Internacional: ‘A lei natural não pode ser apresentada como um
conjunto já constituído de regras que se impõem a priori ao sujeito
moral, mas é uma fonte de inspiração objectiva para o seu processo,
eminentemente pessoal, de tomada de decisão’. Por causa dos
condicionalismos ou dos factores atenuantes,
é possível que uma pessoa, no meio duma
situação objectiva de pecado – mas subjectivamente não seja culpável ou
não
o seja plenamente –, possa viver em graça de
Deus, possa amar e possa também crescer na vida
de graça e de caridade, recebendo para isso a
ajuda da Igreja. NOTA DE RODAPÉ: Em
certos casos, poderia haver também a ajuda dos sacramentos. Por isso,
‘aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de
tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor’ [Francisco, Exort. ap. Evangelii
gaudium (24 de Novembro de 2013), 44: AAS 105 (2013), 1038]. E de igual modo assinalo que a
Eucaristia ‘não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um
alimento para os fracos’ [Ibid., 47: o. c., 1039]. (...)” (Francisco,
Exortação Apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia, 19 de março de 2016, n.
305, grifo nosso; a nota de rodapé é do próprio documento) – Classificação: Herética.
NOTA
NOSSA: Conforme o contexto já exposto pelo n. 298 de Amoris
Laetitia, nestas
“situações irregulares” incluem-se os divorciados que se enlaçaram numa nova
união marido/mulher. No contexto do n. 305 de Amoris Laetitia está clara a referência
às “situações irregulares”, isto é, a situação dos divorciados em nova união
marido/mulher, e o autor sabe muito bem – e este seu conhecimento está
explícito no contexto de todo o capítulo VIII de Amoris Laetitia – que tais “situações irregulares” são catalogadas
pela Autoridade da Igreja, ou pelo consenso universal dos fiéis, como
adultérios, imoralidades, pecados graves, ações inadmissíveis, coisas
proibidas, em toda e qualquer circunstância. O seu conhecimento se comprova
também pela sua intenção em alterar a norma em vigor (da qual tratamos na
Proposição 1): “Por isso, já não é possível
dizer que todos os que estão numa situação chamada ‘irregular’ vivem em estado de pecado
mortal, privados da graça
santificante...” (Amoris Laetitia, n. 301). Portanto, o autor
está consciente de que na Igreja existe um consenso de que as pessoas em
“situação irregular” se encontram em pecado mortal e privadas da graça
santificante.
Proposição
herética explícita: É
admissível que se dê a absolvição sacramental
a adúlteros ou a divorciados recasados ou a pessoas que após um divórcio se
uniram em nova união marido/mulher, ou a fornicadores, sem que tais pessoas
abandonem o adultério ou as relações sexuais ou a vida marido/mulher com o novo
cônjuge, ou sem que tenham o propósito de fazê-lo, e que permanecem ou
intencionam permanecer na estabilidade da relação carnal ou no mesmo estado de
vida. É admissível que se dê a comunhão
sacramental a adúlteros ou a divorciados recasados ou a pessoas que após um
divórcio se uniram em nova união marido/mulher, ou a fornicadores, sem que tais
pessoas abandonem o adultério ou as relações sexuais ou a vida marido/mulher
com o novo cônjuge, ou sem que tenham o propósito de fazê-lo, e que permanecem
ou intencionam permanecer na estabilidade da relação carnal ou no mesmo estado
de vida.
COMENTÁRIO 1: A Proposição herética explícita
é uma consequência lógica e direta da anteriormente tratada Proposição 1. Pois,
se não é sempre que o adultério ou a fornicação é pecado grave (também
denominado pecado mortal); e o pecado grave priva da graça santificante; então,
não é todo e qualquer adúltero que se encontra privado da graça santificante. Não
estando todos os adúlteros e fornicadores privados da graça santificante; e
sendo o estado de graça santificante necessário para receber a comunhão
sacramental; logo, não há motivo para proibir todos os adúlteros ou fornicadores
de receberem a comunhão ou a absolvição sacramental.
COMENTÁRIO 2: As situações “irregulares” a que
o n. 305 de Amoris Laetitia faz
referência são novas uniões marido/mulher que se formaram após um divórcio, e
que a Igreja as denomina adultério. Estas novas uniões também estão contidas
nas “situações objetivas de pecado”, às quais o mesmo n. 305 faz referência: “é possível que uma pessoa, no meio duma situação objectiva de pecado –
mas subjectivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa
viver em graça de Deus...”. Assim como no caso da
fornicação e da prostituição, tais uniões são formadas com o livre
consentimento e desejo do homem e da mulher. Portanto, se estas uniões são
formadas livremente por ambas as partes, então não há que se admitir em
hipótese alguma que alguma das partes envolvidas e que se encontra nesta nova
união marido/mulher (situação objetiva de pecado) não seja culpável ou não seja
culpável plenamente pela situação na qual livremente ingressou e na qual
livremente se mantém e deseja permanecer. Agora, se uma das partes não adere
livremente à nova união, aí sim a parte não-livre não seria subjetivamente
culpável. Neste caso, tratar-se-ia de estupro ou abuso sexual, que é
essencialmente distinto das novas uniões marido/mulher após divórcio e que é o
objeto de tratativa do documento papal. Se a pessoa ingressou livremente na
nova união marido/mulher, e deseja permanecer nesta união, obviamente a pessoa
é subjetivamente culpada pela manutenção desta situação de pecado mortal.
COMENTÁRIO 2-A: Uma pessoa que livremente
adere e segue aderindo à nova união, e que tenha o conhecimento da Doutrina
Católica por meio da pregação da Igreja, é subjetivamente culpada. Portanto, o
“mas
subjectivamente não seja culpável ou não o seja plenamente” não
existe. Em seu n. 302, Amoris Laetitia cita o Catecismo da Igreja
Católica para embasar o que seriam os fatores atenuantes que diminuiriam ou até
eliminariam por completo a imputabilidade da pessoa envolvida nestas novas
uniões carnais ou marido/mulher:
“A
imputabilidade e a responsabilidade de uma ação podem ficar diminuídas ou
suprimidas pela ignorância, inadvertência, violência, medo, hábitos, afeições
imoderadas e outros fatores psíquicos ou sociais.” (Catecismo da Igreja
Católica, n. 1735).
O
Catecismo está a falar dos atos humanos de modo geral.
Logo
abaixo, o mesmo Catecismo diz:
“Todo
ato diretamente querido é imputável a seu autor” (Catecismo da Igreja Católica, n.
1736, grifo nosso).
“Um
efeito pode ser tolerado sem ser querido pelo
agente... O
efeito ruim não é imputável se não foi querido nem
como fim nem como meio de ação... Para que o efeito ruim seja imputável, é
preciso que seja previsível e que o agente tenha a possibilidade de evitá-lo...”
(Catecismo da Igreja Católica, n. 1737, grifo nosso).
O
mesmo n. 302 de Amoris Laetitia cita outra passagem do Catecismo da Igreja Católica para
embasar a suposta não-imputabilidade das pessoas divorciadas em nova união
marido/mulher:
“Para
formar um justo juízo sobre a responsabilidade moral dos sujeitos e orientar a
ação pastoral, dever-se-á levar em conta a imaturidade afetiva, a força dos
hábitos contraídos, o estado de angústia ou outros fatores psíquicos ou sociais
que minoram ou deixam mesmo extremamente atenuada a culpabilidade moral.”
(Catecismo da Igreja Católica, n. 2352).
O n.
2352 do Catecismo da Igreja Católica está a falar especificamente do pecado
mortal de masturbação, que é essencialmente distinto da fornicação, do
adultério e da prostituição. Também para este pecado se aplicam as mesmas
regras da imputabilidade: querer como fim ou como meio, ser previsível e
evitável.
O que é Pecado Mortal segundo o Catecismo da Igreja Católica?
“Para
que um pecado seja mortal requerem-se três condições ao mesmo tempo: ‘É
pecado mortal todo pecado que tem como objeto uma matéria grave, e que é cometido com plena consciência e deliberadamente’.” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1857, grifo nosso).
“A matéria
grave é
precisada pelos Dez mandamentos, segundo a resposta de Jesus ao jovem rico:
‘Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunho,
não defraudes ninguém, honra teu pai e tua mãe’ (Mc 10, 19).” (Catecismo da
Igreja Católica, n. 1858).
“O
pecado mortal requer pleno conhecimento e pleno consentimento. Pressupõe o conhecimento do caráter pecaminoso do ato, de
sua oposição à lei de Deus. Envolve também um consentimento suficientemente
deliberado para ser uma escolha pessoal.” (Catecismo da Igreja Católica, n.
1859).
“Escolher
deliberadamente, isto é, sabendo e querendo, uma coisa gravemente contrária
à lei divina e ao fim último do homem é cometer pecado mortal.”
(Catecismo da Igreja Católica, n. 1874, grifo nosso).
Doutrina
Católica:
Sobre
o Sacramento da Eucaristia:
“Portanto, todo aquele que comer o pão ou
beber o cálice do Senhor indignamente será culpável do corpo e do sangue do
Senhor. Que cada um se examine a si mesmo e, assim, coma desse pão e beba desse
cálice. Aquele que o come e o bebe sem distinguir o corpo do Senhor, come e
bebe a sua própria condenação. Essa é a razão por que entre vós há muitos
adoentados e fracos, e muitos mortos. Se nos examinássemos a nós mesmos, não
seríamos julgados. Mas, sendo julgados pelo Senhor, ele nos castiga para não
sermos condenados com o mundo. (...) Se alguém tem fome, coma em casa. Assim
vossas reuniões não vos atrairão a condenação.” (1 Cor 11, 27-34).
“Igualmente, se uma mulher crente tiver
deixado, por ser adúltero, o marido crente e esposar um outro, deve ser
proibida de esposá-lo; se o esposar, não receba a comunhão antes que aquele que
ela deixou tiver passado deste mundo, a não ser que, eventualmente, a
necessidade por causa de doença constranja a isso.” (Sínodo de Elvira
(300-303?), cân. 9: Dezinger-Hünermann, 117).
“O ato sexual deve ocorrer exclusivamente no
casamento; fora dele, é sempre um pecado grave e exclui da comunhão
sacramental.” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2390 in fine).
“Se não convém aproximar-se de nenhuma função
sagrada a não ser santamente, por certo, quanto mais o cristão descobre a
santidade e a divindade deste sacramento celeste, tanto mais cuidará
diligentemente de aproximar-se dele só com grande reverência e santidade,
principalmente quando lemos no Apóstolo aquelas palavras terríveis: ‘Quem come
e bebe indignamente, come e bebe a própria condenação, não distinguindo o corpo
do Senhor’ [1 Cor 11, 29]. Por isso, a quem quiser comungar se deve lembrar
o preceito: ‘Que o homem se examine a si mesmo’ [1 Cor 11, 28].” (Concílio
de Trento, 13ª sessão, 11 out. 1551, Decreto sobre o sacramento da Eucaristia,
cap. 7: Dezinger-Hünermann, 1646, grifo nosso).
E o mesmo Concílio de Trento destaca
claramente que, para receber a comunhão sacramental, é necessária a Contrição
por parte do comungante:
“O costume da Igreja declara que é preciso um
exame para que ninguém, por mais
contrito que ele se considere, se aproxime da sagrada Eucaristia sem
antes confessar sacramentalmente, caso esteja consciente de algum pecado mortal.
Este costume, o santo Concílio decreta que
seja observado perpetuamente por todos os cristãos,
também pelos sacerdotes a quem compete celebrar por ofício, desde que não falte
disponibilidade de confessor. Se, por necessidade urgente, um sacerdote
celebrar sem prévia confissão, confesse o quanto antes.” (Concílio de Trento,
13ª sessão, 11 out. 1551, Decreto sobre o sacramento da Eucaristia, cap. 7:
Dezinger-Hünermann, 1647, grifo nosso).
E noutro local o mesmo Concílio define o que
é a Contrição:
“A contrição, que tem o primeiro lugar
entre os mencionados atos do penitente, é
uma dor da alma e detestação do pecado cometido, com propósito de não tornar a
pecar. Este movimento de contrição foi necessário em todo o tempo
para se alcançar o perdão dos pecados. (...) Declara, pois, o santo
Sínodo que esta contrição encerra não só
a cessação do pecado e o propósito e início de uma nova vida, mas também o ódio
da vida passada, conforme as palavras: ‘Lançai longe de vós todas as
vossas maldades em que prevaricastes e fazei-vos um coração novo e um espírito
novo’ [Ez 18, 31].” (Concílio de Trento, 14ª sessão, 25 nov. 1551, Doutrina
sobre o sacramento da penitência, cap. 4: Dezinger-Hünermann, 1676, grifo
nosso).
Ainda sobre a preparação a ser feita para
receber dignamente a Eucaristia, continua o Concílio de Trento, de forma
definitiva e infalível:
“Se alguém disser que a fé, só, é preparação
suficiente para receber o sacramento da santíssima Eucaristia: seja anátema.
E, para que tão grande sacramento não seja
recebido indignamente e, portanto, para
morte e condenação, o santo Sínodo determina e declara que, quem tem a
consciência agravada por pecado mortal, por
mais contrito que se julgue, necessariamente
deve antes se confessar, havendo suficiente número de confessores.
Porém, se alguém ousar ensinar, pregar ou
afirmar pertinazmente o contrário, ou também defendê-lo em disputa pública,
seja ipso facto excomungado.” (Concílio
de Trento, 13ª sessão, 11 out. 1551, Decreto sobre o sacramento da Eucaristia:
Dezinger-Hünermann, 1661, grifo nosso).
COMENTÁRIO 3: Pretendeu-se demonstrar que a
Contrição, mas não somente a Contrição - pois a absolvição no sacramento da Penitência
também é necessária - é exigida para receber o sacramento da Eucaristia, e isto
é dogma de fé; a Contrição também é indispensável para se receber o sacramento
da Penitência, conforme demonstra-se mais abaixo.
Considera-se oportuno a transcrição da
Declaração sobre a admissão à Santa Comunhão dos fiéis divorciados que
contraíram novas núpcias, do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos:
“O Código de Direito Canónico estabelece que: ‘Não
sejam admitidos à sagrada comunhão os excomungados e os
interditos, depois da aplicação ou declaração da pena, e outros que
obstinadamente perseverem em
pecado grave manifesto’
(cân. 915). Nos últimos anos, alguns autores têm sustentado, com base em diferentes
argumentos, que este cânon não seria aplicável aos fiéis
divorciados que contraíram novas núpcias. Reconhece-se que a Exortação
Apostólica
Familiaris consortio de 1981 reafirma, no n. 84,
a mesma proibição em termos inequívocos, e que esta tem
sido expressamente reiterada, especialmente em 1992 pelo Catecismo
da Igreja Católica, n.º 1650, e em 1994 pela Carta
Annus internationalis Familiae da
Congregação para a Doutrina da Fé. Apesar disso, os referidos autores
propugnam
várias interpretações do mencionado cânon, as quais, na prática, coincidem em
excluir
do mesmo a situação dos divorciados novamente casados. Por exemplo, porque o
texto
fala de ‘pecado grave’, seriam necessárias todas as condições, mesmo as
subjectivas, requeridas para a existência de um pecado mortal, razão pela
qual o ministro da Comunhão não poderia emitir ab
externo um juízo do género; ademais, para que se fale de perseverar
‘obstinadamente’
naquele pecado, seria necessário verificar-se no fiel uma atitude de
desacato,
após uma legítima admonição por parte do Pastor.
Face a este pretenso
contraste entre a disciplina do Código de 1983 e os ensinamentos constantes
da Igreja nessa matéria, este Conselho Pontifício, de acordo com a Congregação
para
a Doutrina da Fé e com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos
Sacramentos,
declara quanto segue:
1. A
proibição feita no citado cânon, por sua natureza, deriva da lei divina e
transcende o âmbito das leis
eclesiásticas positivas: estas não podem introduzir modificações legislativas
que se oponham à doutrina da
Igreja. O
texto das Escrituras ao qual a Tradição eclesial sempre
remonta é o de São Paulo: ‘E, assim, todo aquele que comer o pão ou beber o
cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do
Senhor. Examine-se cada qual a si mesmo e, então, coma desse
pão e beba desse cálice. Aquele que come e bebe, sem distinguir o
corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação’ (1 Cor
11, 27-29).
Este
texto diz respeito primeiramente ao próprio fiel e à sua consciência, e isto
está formulado pelo Código no
sucessivo cânon 916.
Porém o ser-se indigno por se achar em estado de pecado põe também um grave problema jurídico na
Igreja: precisamente ao termo ‘indigno’ se refere o cânon
do Código dos Cânones das Igrejas Orientais que
é paralelo ao cân. 915 latino: ‘Devem ser impedidos de receber a Divina
Eucaristia aqueles que são publicamente indignos’ (cân.
712). Com efeito,
receber o Corpo de Cristo sendo publicamente indigno
constitui um dano objectivo para a comunhão eclesial; é um comportamento que atenta aos
direitos da Igreja e de todos os fiéis de viver em coerência com as exigências dessa
comunhão. No caso concreto da admissão dos fiéis divorciados
novamente
casados à Sagrada Comunhão, o escândalo, concebido qual acção que move os
outros
para o mal, diz respeito simultaneamente ao sacramento da Eucaristia e à
indissolubilidade
do matrimónio. Tal escândalo subsiste mesmo se, lamentavelmente, um tal
comportamento
já não despertar alguma admiração: pelo contrário, é precisamente diante da deformação das consciências, que se torna mais necessária por
parte dos Pastores, uma acção tão paciente quanto firme, em tutela da santidade dos
sacramentos, em defesa da moralidade cristã e pela recta formação dos fiéis.
2. Qualquer interpretação
do cân. 915 que se oponha ao conteúdo substancial, declarado ininterruptamente
pelo Magistério e pela disciplina da Igreja ao longo dos séculos, é
claramente
fonte de desvios. Não se pode confundir o respeito pelas palavras da lei (cfr.
cân. 17) com o uso impróprio das mesmas palavras como instrumentos para
relativizar ou esvaziar a substância dos preceitos.
A fórmula ‘e outros que
obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto’ é clara e deve
ser compreendida de modo a não deformar o seu sentido, tornando a norma
inaplicável. As três condições requeridas são:
a) o pecado grave,
entendido objectivamente, porque da imputabilidade subjectiva o ministro da
Comunhão não poderia julgar;
b) a perseverança
obstinada, que significa a existência de uma situação objectiva de pecado que
perdura no tempo e à qual a vontade do fiel não põe termo, não sendo
necessários outros requisitos (atitude de
desacato, admonição prévia, etc.) para que se verifique a situação na
sua
fundamental gravidade eclesial;
c) o carácter manifesto da
situação de pecado grave habitual.
Não se encontram, porém, em
situação de pecado grave habitual os fiéis divorciados novamente
casados que, por sérios motivos – quais, por exemplo, a educação dos filhos –
não
podendo ‘satisfazer a obrigação da separação, assumem o compromisso de viver em
plena
continência, isto é, de abster-se dos actos próprios dos cônjuges’ (Familiaris
consortio, n.º 84), e que, com base
em tal propósito, receberam o sacramento da Penitência. Visto
que o facto de tais fiéis não viverem more uxorio é de
per si oculto, ao passo
que a situação de divorciados
novamente casados é de per si manifesta, eles poderão aceder à
Comunhão eucarística somente
remoto scandalo.
3. Naturalmente a prudência
pastoral aconselha vivamente a evitar que se chegue a casos de recusa
pública da sagrada Comunhão. Os Pastores devem esforçar-se para explicar aos fiéis envolvidos o verdadeiro sentido eclesial da norma, de modo
que a possam compreender ou ao menos respeitar. Quando, porém, se
apresentarem situações em que tais precauções não tenham obtido efeito ou não tenham sido possíveis, o ministro
da distribuição da Comunhão deve recusar-se a dá-la a quem seja publicamente indigno.
Fá-lo-á com extrema caridade e procurará explicar no
momento oportuno as razões que a tanto o obrigaram. Deve, porém, fazê-lo
com firmeza, consciente do valor que estes sinais de fortaleza têm para o bem
da Igreja e das almas.
O discernimento dos casos
de exclusão da Comunhão eucarística dos fiéis que se encontrem na
condição descrita pertence ao Sacerdote responsável pela comunidade. Ele dará
instruções precisas ao diácono ou ao eventual ministro extraordinário
acerca do modo de se comportar nas situações concretas.
4. Considerando a natureza
da já mencionada norma (cfr. n. 1), nenhuma autoridade eclesiástica
pode dispensar em caso algum desta obrigação do ministro da sagrada
Comunhão,
nem emanar directrizes que a contradigam.
5. A Igreja reafirma a sua
solicitude materna para com os fiéis que se acham nesta situação ou
em outras análogas, que os impeçam de ser admitidos à mesa eucarística. O que
se afirma nesta Declaração não está em contradição com o grande desejo
de favorecer a participação desses filhos na vida
eclesial, que se pode já exprimir em muitas formas compatíveis com a
sua
situação. Mas o dever
de reafirmar esta impossibilidade de admitir à Eucaristia é condição de verdadeira pastoralidade, de autêntica preocupação
pelo bem destes fiéis e de toda a Igreja, porque indica as condições
necessárias para a plenitude da conversão à qual todos
estão sempre convidados pelo Senhor, especialmente durante este Ano Santo do
Grande
Jubileu.” (Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Declaração sobre a
admissão à Santa Comunhão dos fiéis divorciados que contraíram novas núpcias,
24 de junho de 2000. Disponível em: <
http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/intrptxt/documents/rc_pc_intrptxt_doc_20000706_declaration_po.html>.
Acesso em: 10 mai. 2019, grifo nosso).
“Quem quer receber a Cristo na comunhão
eucarística deve estar em estado de graça. Se alguém tem consciência de ter
pecado mortalmente, não deve comungar a Eucaristia sem ter recebido previamente
a absolvição no sacramento da penitência.” (Catecismo da Igreja Católica, n.
1415).
“São numerosos hoje, em muitos países, os
católicos que recorrem ao divórcio segundo as leis civis e que contraem
civilmente uma nova união. A Igreja, por fidelidade à palavra de Jesus Cristo
(“Todo aquele que repudiar sua mulher e desposar outra comete adultério contra
a primeira; e se essa repudiar seu marido e desposar outro comete adultério”:
Mc 10, 11-12), afirma que não pode reconhecer como válida uma nova união, se o
primeiro casamento foi válido. Se os divorciados tornam a casar-se no civil,
ficam numa situação que contraria objetivamente a lei de Deus. Portanto, não
podem ter acesso à comunhão eucarística enquanto perdurar esta situação. Pela
mesma razão não podem exercer certas responsabilidades eclesiais. A
reconciliação pelo sacramento da Penitência só pode ser concedida aos que se
mostram arrependidos por haver violado o sinal da aliança e da fidelidade a
Cristo e se comprometem a viver numa continência completa.” (Catecismo da
Igreja Católica, n. 1650).
Sobre
o Sacramento da Penitência:
“Os atos do penitente são como que matéria
deste sacramento, a saber: a contrição,
a confissão e a satisfação. Estes mesmos atos são requeridos por instituição divina no penitente para a integridade
do sacramento e para a remissão plena e perfeita dos pecados e, por
este motivo, se chamam partes da penitência.” (Concílio de Trento, 14ª sessão,
25 nov. 1551, Doutrina sobre o sacramento da penitência, cap. 3: Dezinger-Hünermann,
1673, grifo nosso).
Vamos ater-nos à Contrição, para destacar que
a disposição de eliminar o estado de pecado é necessária para a validade do
Sacramento da Penitência (também denominado Confissão):
“A contrição, que tem o primeiro lugar entre
os mencionados atos do penitente, é uma
dor da alma e detestação do pecado cometido, com propósito de não tornar a
pecar. Este movimento de
contrição foi necessário em todo o tempo para se alcançar o perdão dos pecados.
(...) Declara, pois, o santo Sínodo que esta
contrição encerra não só a cessação do pecado e o propósito e início de uma
nova vida, mas também o ódio da vida passada, conforme as palavras:
‘Lançai longe de vós todas as vossas maldades em que prevaricastes e fazei-vos
um coração novo e um espírito novo’ [Ez 18, 31].” (Concílio de Trento, 14ª
sessão, 25 nov. 1551, Doutrina sobre o sacramento da penitência, cap. 4:
Dezinger-Hünermann, 1676, grifo nosso).
“Quanto à contrição imperfeita, chamada
atrição, porque nasce ordinariamente da
consideração da torpeza do pecado ou do temor do inferno e dos castigos, se com a esperança do perdão excluir a
vontade de pecar, o santo Sínodo declara que ela não somente não torna
o homem hipócrita e mais pecador, mas também que é dom de Deus e moção do
Espírito Santo... E, embora por si mesma seja incapaz de conduzir o pecador
à justiça sem o sacramento da penitência, a atrição dispõe-no para impetrar a
graça de Deus no sacramento da penitência.” (Concílio de Trento, 14ª
sessão, 25 nov. 1551, Doutrina sobre o sacramento da penitência, cap. 4:
Dezinger-Hünermann, 1678, grifo nosso).
COMENTÁRIO 4: Portanto, a Contrição, seja ela
perfeita ou imperfeita (atrição) é necessária/indispensável para a validade do
sacramento da Penitência e para a obtenção do perdão dos pecados mortais. A
Contrição, seja ela perfeita ou imperfeita, está definida pelo próprio Concílio
de Trento, e tem como característica necessária a exclusão da vontade de pecar, isto é: 1) a interrupção do pecado;
2) o propósito de mudança de vida; e 3) o ódio ou detestação da vida passada/pecado.
Pois, o pecado pode ser excluído com sua interrupção ou descontinuidade, bem
como com a mudança de vida, mas a vontade de pecar só pode ser excluída com o
ódio ou detestação do pecado.
Sobre
a Justificação:
“Com estas palavras se esboça uma descrição
da justificação do ímpio: é a passagem do estado no qual o homem nasce filho do
primeiro Adão, ao estado de graça e ‘de adoção dos filhos de Deus’ [Rm 8, 15],
por meio do segundo Adão, Jesus Cristo nosso Salvador; esta passagem, depois do
anúncio do Evangelho, não pode acontecer sem o banho da regeneração ou sem o
desejo dele, como está escrito: ‘Se alguém não renascer da água e do Espírito
Santo, não poderá entrar no reino de Deus’ [Jo 3, 5].” (Concílio de Trento, 6ª
sessão, 13 jan. 1547, Decreto sobre a justificação, cap. 4: Dezinger-Hünermann,
1524).
“A essa disposição ou preparação segue a
justificação propriamente dita, que não é somente remissão dos pecados, mas
também santificação e renovação do homem interior, mediante a voluntária
recepção da graça e dos dons, pelos quais o homem de injusto se torna justo, de
inimigo amigo, para que seja ‘herdeiro segundo a esperança da vida eterna’ [Tt
3, 7].” (Concílio de Trento, 6ª sessão, 13 jan. 1547, Decreto sobre a
justificação, cap. 7: Dezinger-Hünermann, 1528).
“Aqueles, pois, que, pelo pecado, decaíram da
graça da justificação depois de tê-la recebido, poderão novamente ser
justificados, se, movidos por Deus, procurarem recuperá-la pelo sacramento da
penitência, pelo mérito de Cristo. Esta forma de justificação é a reparação do
que caiu, reparação esta que os santos Padres chamaram, com uma expressão
feliz: ‘a segunda tábua depois do naufrágio da graça perdida’. Pois para os que
caem em pecado depois do batismo, Cristo Jesus instituiu o sacramento da
penitência” (Concílio de Trento, 6ª sessão, 13 jan. 1547, Decreto sobre a
justificação, cap. 14: Dezinger-Hünermann, 1542).
“É preciso, portanto, ensinar que a
penitência do cristão depois da queda é de natureza muito diferente da
penitência batismal e consiste não só em cessar de pecar e em detestar os
pecados, ou seja, num ‘coração contrito e humilhado’ [Sl 51,19], mas também na
confissão sacramental dos mesmos – ao menos no desejo de fazê-la a seu tempo –
e na absolvição do sacerdote; e igualmente na satisfação, por jejum,
esmolas, orações e outras práticas piedosas de vida espiritual, não certamente
por causa da pena eterna, que, junto com a culpa, é perdoada mediante o
sacramento ou o desejo do sacramento, mas por causa da pena temporal: esta, de
fato (como ensina a Sagrada Escritura), nem sempre é perdoada totalmente, como
no batismo, àqueles que, esquecidos da graça que de Deus receberam,
contristaram o Espírito Santo [cf. Ef 4, 30] e não temeram violar o templo de
Deus [cf. 1 Cor 3, 17].” (Concílio de Trento, 6ª sessão, 13 jan. 1547, Decreto
sobre a justificação, cap. 14: Dezinger-Hünermann, 1543, grifo nosso).
“Contra as malignas invenções de alguns, que,
‘com falar suave e elogios enganam os corações dos simples’ [Rm 16, 18], é
preciso afirmar que não só pela infidelidade, pela qual se perde a própria fé, mas
também por qualquer outro pecado mortal se perde a graça, já recebida, da
justificação, embora não se perca a fé. Com isto defende-se o
ensinamento da lei divina, que exclui do reino de Deus não somente os infiéis,
mas também os fiéis fornicadores, adúlteros, efeminados, sodomitas, ladrões,
avaros, bêbados, caluniadores, cobiçosos [cf. 1 Cor 6, 9s] e todos os outros
que cometem pecados mortais, dos quais com o auxílio da graça poderiam
abster-se e por causa dos quais são separados da graça de Cristo.”
(Concílio de Trento, 6ª sessão, 13 jan. 1547, Decreto sobre a justificação,
cap. 15: Dezinger-Hünermann, 1544, grifo nosso).