Considerando, em
primeiro lugar, que, o objetivo aqui não é defender este ou aquele sistema
socioeconômico como melhor para a estruturação da sociedade civil cristã ou
laica e para a organização do Estado. Mas, essencialmente, apontar distorções e
manipulações de informação e, então remediar a situação caótica política com o
fornecimento de princípios católicos, para que a Religião Cristã de todos os
tempos não seja instrumentalizada por homens heréticos e apóstatas na defesa de
interesses pagãos e oligárquicos, como se a função fundamental do Estado fosse
tutelar o bem de apenas um grupo privilegiado de pessoas “iluminadas” ou “agraciadas”,
inclusive pelo dinheiro. Em todo caso, caberá ao Estado, aos povos e à
sociedade civil definir seus rumos e estruturas de poder e funcionamento e
organizar seu próprio Ordenamento Jurídico.
Considerando a
recente instrumentalização da Religião Católica no cenário político brasileiro
e internacional para o favorecimento dos mais variados grupos de interesse, por
meio dos mais absurdos métodos de assédio eleitoral, manipulando e fanatizando
as massas orientadas por mentiras e distorções.
Considerando a
necessidade de esclarecer que o comunismo e o socialismo podem ser um conjunto
de diferentes doutrinas e práticas sociais e econômicas.
Considerando que
as mais variadas condenações realizadas por Papas contra o Comunismo e o
Socialismo, possivelmente, foram
motivadas por interesses privados, para favorecimento de determinados grupos e
elites sociais, bem como para a manutenção de seus privilégios, à custa do bem
comum da sociedade e em apoio à opressão e escravidão dos mais pobres, fracos,
débeis e vulneráveis. Conforme erro explícito na Rerum Novarum: “O primeiro princípio a pôr em evidência
é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na
sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que
desejam os Socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são vãos. Foi
ela, realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão multíplices como
profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de
força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das
condições.” (Leão XIII, Encíclica Rerum
Novarum sobre a condição dos operários, 15 mai. 1891, n. 9); como se todos
os fatos, as realidades ou os males devessem, necessariamente, ser mantidos ou
apoiados porque foram constatados em uma determinada pessoa ou em um grupo
social qualquer!!! Ou seja, só porque a coisa existe, então deve continuar
existindo. O que é um erro e sofisma grotesco: “o homem deve aceitar com paciência a sua condição”. A ordem social,
a compreensão do direito natural e a realização da justiça não deveriam passar
de um estado pior para outro melhor, mas deveriam permanecer tal qual. “diferenças necessárias, de onde nasce
espontaneamente a desigualdade das condições”; outro sofisma, porque nem
sempre o mais avantajado pelas reais e mencionadas diferenças é,
necessariamente, o que se sai melhor em determinada ação, matéria ou eventual
disputa, concorrência, jogo, conflito etc. Diferentemente das Leis da Natureza,
estudadas pelas ciências naturais, em que “a
determinada causa A sempre corresponde a consequência B”, no Direito,
entretanto, não é assim; “ao fato A deve
corresponder B, senão B, sanção S” (Vide literatura sobre Introdução ao Estudo
do Direito).
Considerando que
muitas condenações do Comunismo e do Socialismo como alternativas para a
organização de vários Estados foram empreendidas com vistas à sobrevivência do
Capitalismo, do Liberalismo Econômico, dos diversos grupos de interesse e ao estrangulamento
do Poder Público e da máquina estatal.
Considerando o
direito da Igreja Católica e de seus fiéis de se defenderem contra qualquer
massacre, genocídio, totalitarismos, extremismos ou reinos da opressão e da exploração
dos crentes, que têm deixado na história ruínas impregnadas do sangue de
multidões de mártires, sempre que confiança demasiada fora depositada pela
Igreja em Estados despóticos liderados a ferro e fogo por homens imprudentes,
prepotentes e sanguinários.
Entende-se
importante lembrar alguns princípios e fundamentos católicos:
1) É lícito considerar ou apoiar o Comunismo
como sendo o melhor sistema socioeconômico, tal como descrito abaixo, e em respeito
aos princípios da Religião Católica e de Direito Natural:
“Perseveravam eles na
doutrina dos apóstolos, nas reuniões em comum, na fração do pão e nas orações.
De todos eles se apoderou o temor, pois pelos apóstolos foram feitos também
muitos prodígios e milagres em Jerusalém, e o temor estava em todos os corações.
Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas
propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de
cada um. Unidos de coração, frequentavam todos os dias o templo. Partiam o pão
nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração, louvando a
Deus e cativando a simpatia de todo o povo.
E o Senhor cada dia
lhes ajuntava outros, que estavam a caminho da salvação.” (Atos dos Apóstolos
2, 42-47);
“A multidão dos fiéis
era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram suas as coisas que
possuía, mas tudo entre eles era comum. Com grande coragem os apóstolos davam
testemunho da Ressurreição do Senhor Jesus. Em todos eles era grande a graça.
Nem havia entre eles nenhum necessitado, porque todos os que possuíam terras ou
casas vendiam-nas, e traziam o preço do que tinham vendido e depositavam-no aos
pés dos apóstolos. Repartia-se então a cada um deles conforme a sua
necessidade.” (Atos dos Apóstolos 4, 32-35).
2) É lícito considerar ou apoiar a Democracia Participativa
como correto regime de governo, pelo qual o poder social emana do povo:
“Naqueles dias, como
crescesse o número dos discípulos, houve queixas dos gregos contra os hebreus,
porque as suas viúvas teriam sido negligenciadas na distribuição diária. Por
isso, os Doze convocaram uma reunião dos discípulos e disseram: ‘Não é razoável
que abandonemos a Palavra de Deus, para administrar. Portanto, irmãos, escolhei
dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de
sabedoria, aos quais encarregaremos deste ofício. Nós atenderemos sem cessar à
oração e ao ministério da palavra’. Esse parecer agradou a toda a reunião.”
(Atos dos Apóstolos 6, 1-5).
3) A Igualdade
Socioeconômica entre todas as pessoas e instituições civis é valor
fundamental para a estruturação da sociedade e do Estado de direito:
“Existem também desigualdades iníquas que atingem
milhões de homens e mulheres e se acham em contradição aberta com o Evangelho:
‘A igual dignidade das pessoas postula que se chegue a condições de vida mais
justas e mais humanas. Pois as excessivas desigualdades econômicas e sociais
entre os membros e povos da única família humana provocam escândalo e são
contrárias à justiça social, à equidade, à dignidade da pessoa humana e à paz
social e internacional’ (Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo
atual, 07 dez. 1965, n. 29, apud
Catecismo da Igreja Católica, n. 1938);
“Todos têm também o
direito de fruir das condições de vida social criadas pelos resultados da
consecução do bem comum. Soa ainda atual o ensinamento de Pio XI: ‘Deve
procurar-se que a repartição dos bens criados seja pautada pelas normas do bem
comum e da justiça social. Hoje, porém, à vista do clamoroso contraste entre o
pequeno número dos ultra-ricos e a multidão inumerável dos pobres, não há homem
prudente que não reconheça os gravíssimos inconvenientes da atual repartição da
riqueza’ (Pio XI, Carta enc. Quadragesimo
anno, 58: AAS 23 (1931) 197)” (Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, Compêndio
da Doutrina Social da Igreja, n. 167, § 2º).
4) A Igreja Católica não possui autoridade ou
competência para regular a vida social e econômica da ordem temporal para além
das exigências de sua Religião e do Direito Natural por ela professados:
“Não cabe à Igreja
formular soluções concretas – e muito menos soluções únicas – para questões
temporais, que Deus deixou ao juízo livre e responsável de cada um, embora seja
seu direito e dever pronunciar juízos morais sobre realidades temporais, quando
a fé ou a lei moral o exijam. Se o cristão é obrigado a ‘admitir a legítima multiplicidade
e diversidade das opções temporais’ (cfr. Concílio Vaticano II, Const. Past. Guadium et spes, n. 75), é igualmente
chamado a discordar de uma concepção do pluralismo em chave de relativismo
moral, nociva à própria vida democrática, que tem necessidade de bases
verdadeiras e sólidas, ou seja, de princípios éticos que, por sua natureza e
função de fundamento da vida social, não são ‘negociáveis’.” (Congregação para
a Doutrina da Fé, Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à
participação e comportamento dos católicos na vida política, 24 nov. 2002, n.
3).
5) A Igreja Católica não tem partidos
políticos, nem candidatos a cargos eletivos e nem está vinculada ou aliada a
determinado sistema socioeconômico, ainda que ensine que seus fiéis devam agir
de maneira coerente com a fé que professam:
“A Igreja, que em
razão da sua missão e competência, de modo algum se confunde com a sociedade
nem está ligada a qualquer sistema político determinado, é ao mesmo tempo sinal
e salvaguarda da transcendência da pessoa humana.” (Concílio Vaticano II, Constituição
Pastoral Gaudium et Spes, n. 76, §
2º).
6) Devem-se distinguir as atividades e os
posicionamentos ou opções que os fiéis da Igreja realizam em próprio nome
daquelas atividades que estes mesmos fiéis exercem por ofício em nome da Igreja
e em união com seus respectivos Pastores (Princípio da Separação das Entidades):
“É de grande
importância, sobretudo onde existe uma sociedade pluralística, que se tenha uma
concepção exata das relações entre a comunidade política e a Igreja; e ainda
que se distingam claramente as atividades que os fiéis, isoladamente ou em
grupo, desempenham em próprio nome como cidadãos guiados pela sua consciência
de cristãos, e aquelas que exercitam em nome da Igreja e em união com os seus
pastores.” (Concílio Vaticano II, Gaudium
et Spes, n. 76).
7) A administração da ordem temporal, por
direito católico e apostólico, é atribuição do Laicato (fiéis leigos), e não do
Clero (padres, bispos e papas):
“Entretanto, o dever
imediato de trabalhar por uma ordem social justa é próprio dos fiéis leigos, que,
como cidadãos livres e responsáveis, se empenham em contribuir para a reta
configuração da vida social, no respeito da sua legítima autonomia e da ordem moral
natural (cf. Deus caritas est, 29). O
vosso dever como Bispos junto com o vosso clero é mediato, enquanto vos compete
contribuir para a purificação da razão e o despertar das forças morais
necessárias para a construção de uma sociedade justa e fraterna. Quando, porém,
os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os
pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias
políticas (cf. Gaudium et spes, 76).
Ao formular esses
juízos, os pastores devem levar em conta o valor absoluto daqueles preceitos morais
negativos que declaram moralmente inaceitável a escolha de uma determinada ação
intrinsecamente má e incompatível com a dignidade da pessoa; tal escolha não
pode ser resgatada pela bondade de qualquer fim, intenção, consequência ou
circunstância.” (Bento XVI, Discurso aos prelados da CNBB, Regional Nordeste 5,
em visita ad limina apostolorum, 28
out. 2010, pp. 1-2).
Santo
Antônio de Pádua – RJ, 27 de fevereiro de 2023.